Artista: Francela Carrera
Curadoria: Silvana Macêdo
Período: 3/10/2023 a 7/10/2023
Curadoria: Silvana Macêdo
Período: 3/10/2023 a 7/10/2023
Antagonismos na Guatemala
Antagonismos reúne trabalhos recentes de Francela Carrera, que são constituídos a partir de sutis perturbações nos símbolos nacionais do seu país. Entre silêncios e censura, Francela nasceu nos últimos anos da ditadura e da guerra civil da Guatemala. Cresceu sentindo os horrores da guerra que ainda pairavam no ar, mas que não podiam ser mencionados abertamente.
Por meio da sua produção artística, Francela corajosamente toma para si a tarefa de reescrever partes dessa história não contada oficialmente. Segurando nas mãos de outras tantas artistas da sua geração, seguem juntas empenhadas em passar a limpo as linhas tortas do passado sangrento que manchou as terras daquele território indígena, roubado pelo impulso colonial moderno. Os conflitos e disputas continuam ameaçando modos de vida tradicionais pelo avanço de concepções desenvolvimentistas e por interesses de classes dominantes internas alinhadas com perspectivas neo-imperialistas do norte global.
Francela desfia tramas históricas que recebeu, com desconfiança, desde a infância. Mergulha em sua história pessoal para decifrar seu país, partindo de uma consciência profundamente enraizada em lutas de resistência ancestrais, movimentos sociais e práticas descoloniais atuais.
Com trabalhos aparentemente inofensivos, a artista toca nos pontos nevrálgicos ocultos da história, violências que encontram ecos em outras ditaduras que também assolaram grande parte da América Latina no passado. Marca a presença da resistência negra nas lutas de independência do Haiti em Revolução Negra, 2022, que é contraposta ao bordado Y lograron sin choque sangrento, 2023, que representa o ato oficial da Independência da América Central pelas elites brancas, sem a participação do povo. Outro trabalho intitulado Cheque em Branco, 2023, faz referência explícita ao papel da branquitude em explorar as populações originárias e à sua subserviência a poderes estrangeiros.
Entre costuras e bordados, Francela desmonta, descoloniza e despatriarcaliza a bandeira, símbolo pátrio mais emblemático, tanto na sua versão multi-étnica da bandeira oficial, na instalação Libertad, 2023, quanto na intervenção urbana Juramento à bandeira, que ocorreu durante uma cerimônia cívica, em frente ao Palácio Nacional, em 2022, e foi registrada em vídeo, que integra esta exposição. A troca de algumas palavras do “Juramento à Bandeira” muda todo o sentido do texto, mas pode passar despercebido ao olhar desatento. Assim, com estratégias muito afiadas, mas [in]quietas, Francela segue causando reviravoltas, despertando pensamento crítico e aguçando nossa capacidade de refletir sobre as mazelas que o pensamento colonial impôs em nossos corpos e modos de viver. Antagonismos nos convoca à ação política, à mobilização social, à luta, à resistência, ao reconhecimento da nossa raiz milenar de sabedoria ameríndia.