Frame: Ernesto Bonato

Frame: Ernesto Bonato

Foto: Ernesto Bonato

Foto: Ernesto Bonato

Foto: Ernesto Bonato

Artista: Ernesto Bonato
Colaboração: Ulysses Bôscolo e João Machado
Abertura: 02/09/2023
Período: 04/09 a 30/09

Sonho
A mostra 'sonho' reuniu filmes, objetos e desenhos feitos por Ernesto Bonato entre 2021 e 2023. O filme que dá o nome à mostra, realizado em colaboração com João Machado, tem 21:12 minutos e trata da experiência do tempo, da memória, da perda e do encontro de si e do outro através de imagens da água, do fogo, do céu e da noite, do corpo em movimento e estático. Além do filme, outros trabalhos que flutuam entre o ambiente digital e físico foram apresentados na sala da Mandaçaia Projetos em Pinheiros, São Paulo. Textos de Ulysses Bôscolo de Paula e Ernesto Bonato. Música de Chieko Donker Duyvis.
'Daydream, why do you haunt me so / Deep in a rosy glow / The face of my love you show'.
(Billy Strayhorn, Duke Ellington, John La Touche)
'Este (Chuang Tzu), há uns 24 séculos, sonhou que era uma borboleta e não sabia, ao acordar, se era um homem que tinha sonhado ser uma borboleta ou uma borboleta que agora sonhava ser um homem'.
(Jorge Luis Borges. Nova refutação do tempo)
'A natureza aprisionou árvores inteiras na imaginação de uma semente'.
'Teu sonho é a mata inteira. De teu espírito floresce cada coisa, brota tudo, existe onça, canta ave a alegria mais afinada.' (Valter Hugo Mãe. As doenças do Brasil)
Dentro da mata, imersos na neblina, sentia que estavam unidos de uma forma como nunca haviam estado antes, mansamente, silenciosamente, numa alegria por fazerem parte, juntos, daquele todo vivo respirante, consciente, amoroso. Seu olhar, de tempos em tempos, procurava o dela, seguia-o para descobrir, surpreso, algo que ela mesmo percebia naquele instante, quieta. Ele voltou eufórico daqueles dias imersos na floresta. Algo havia mudado profundamente, algo havia sido curado ou começara a ser curado nele. Uma semana depois, ele abria os olhos, de manhãzinha, ainda deitado na cama, para encontrar os olhos dela, seu sorriso e um beijo de despedida. Ela disse que retornaria em poucos dias e saiu. Ele voltou a dormir tranquilo. Ela não retornou antes que se passasse um longo tempo. Quando ela voltou vinha sem o sorriso, sem o beijo. As pequenas fissuras quase imperceptíveis, eram agora uma fenda clara. Por ela, tudo o que se vertia se perdia. O que parecia antes bastar já não era mais suficiente. Tempos depois, conseguiram fazer da separação um símbolo. Em torno da lagoa verde, numa cidade estranha, descreveram, juntos, um círculo pela primeira e última vez e se deram o último abraço e tentaram o último beijo. Ao final, sentaram lado a lado num banco de jardim diante da lagoa, mas foram interrompidos por um grupo de fotógrafos amadores que pediram para fotografá-los, pois eles eram, nas palavras deles, 'a imagem perfeita de um casal enamorado'. Eles se entreolharam com um sorriso triste. Depois choveu. Semanas depois, ao voltar de viagem, encontrou a casa despida daquilo que era dela, os armários vazios, a cama sem um dos travesseiros. Na casa vazia vivia uma ausência mórbida. Para ele, ficar ali era custoso. Passou a perambular pelas ruas, estradas, caminhos, quilômetros por dia, como num sonho - 'daydream, I walk along on air', cantarolava - e às vezes acontecia de presenciar algo que o tocava profundamente. Depois de algum tempo ele passou a filmar essas pequenas cenas e chamá-las de nomes como 'Só', 'A indiferença da pedra', 'A visita do sol', 'Fenda', 'Berço cinza', 'Deriva', 'Coração', 'Ainda', 'Deságue', 'Uma linha tênue', 'Coroa', 'Fratura', 'Sinal', 'Sonho'... Aos poucos, o jardim de sua casa, que era tão bonito, secou e morreu. Tempos depois, ele ganhou de uma velha amiga um kit de kintsugi. Achou curioso o presente, sem compreender o seu significado. Passados mais alguns meses ganhou de um outro amigo ceramista uma xícara que havia rachado com o calor do forno. Também recebeu esse presente com gratidão, mas sem entender novamente o seu significado. Depois, em casa, começou a derramar água nessa xícara e ela nunca ficava cheia porque a água sempre escorria pelas rachaduras. Sem saber bem por quê, ele continuava diariamente a derramar água nessa xícara para ver a água escorrer pelas rachaduras. Um dia entendeu o significado do presente da amiga, que já antecipava o presente do outro amigo e tudo fez sentido. Resolveu restaurar a xícara utilizando a técnica do kintsugi. A partir de então, ao verter a água na xícara, a água não se perderia mais. Considerou que essa descoberta merecia uma música e pediu à filha da velha amiga, uma jovem violoncelista, para compor um improviso. No jardim ressecado, das poucas plantas que preservaram o seu verdor, restavam as bananeiras que ele havia plantado e desenhado à carvão anos antes. Outra amiga dele um dia explicou que as bananeiras são usadas nos círculos de águas cinzas para transformar os poluentes em nutrientes e água limpa e que 'a bananeira nos ensina que é possível atravessar o sofrimento sem danificar os tecidos, abrindo trilhas e gerando flores nas aberturas do coração'. Ele viu que sua casa estava rodeada com aquelas bananeiras que ele mesmo havia plantado e sentiu que um novo jardim poderia crescer ali com o tempo. Como a bananeira, aos poucos, a imagem da mulher, do sagrado feminino, foi tornando-se mais querida para ele e, como uma planta, começou a se desenvolver numa espiral delicada e verde no seu ser. Passou a ver o que não via, a sentir o que não sentia e quando se deu conta estava dançando e a dança passou a fazer parte da sua alegria. Numa manhã de sol despertou suavemente, tão suavemente que ficou um tempo entre dormindo e acordado, entre sonhando e desperto e nesse vão de consciência viu um amor amarelo brotar em seu peito como uma flor de ipê. Como estava de olhos fechados, sentiu um sol amarelo banhar as suas pálpebras. Plantou esse amor em seu peito e o derramou em todas as direções.
Ulysses Bôscolo de Paula.
Ficha técnica
João Machado colaborou no filme 'Sonho' e na produção.
Ulysses Bôscolo de Paula escreveu o poema 'Moradas de Ar' e colaborou na curadoria.
Chieko Donker Duyvis compôs a música para a obra 'Kintsugi'.
A citação sobre a bananeira presente no texto de Ernesto Bonato, foi retirada de um poema de Tatiana Plens, que também colaborou na filmagem do vídeo para a obra 'Kintsugi'.
A montagem dos desenhos foi feito pela Sumaya, da Art Molduras.
O cartaz da exposição foi impresso pela Laserpress. Tiragem de 500 exemplares.

Agradecimentos
Esse experimento é dedicado ao amor e à amizade. Lembro dessas pessoas que, conscientemente ou não, fizeram gestos, nesses últimos doze meses, que suscitaram em mim o surgimento desse sentimento sagrado que associamos à palavra gratidão. À elas também dedico essas experiências: Amanasy, Ana Carla, Alda, Alexandre B., Alik W., Álvaro, André C.B., André, Andy H., Anne L., Arassy B., Arthur M., Athos, Bené F., Beti S.K., Bia B.A., Bianca J.A., Carmen S., Carol G., Carol N.A., Carol Ursogrande, Cecília D., Célia C.B., Chieko D.D., Chris M.B., Chris V., Christian L., Ciro, Clara S., Claudia M.D., Claudia P., Claudia S.M., Cristina C., Daiju San, Ana Dandara, Dalila, Dandara, Dani A., Dedo,Diego (Lian) Djalma, Dodora, Eduardo Ver, Eliana A., Elina Banno., Evandro C.J., Fábio S., Florence G., Gabriela O., George R.G., Gisele F., Graciela S., Guilherme, Gustavo, Harald O., Helena L., Helena S., Hélio W., Yandara P., Irma, Isabelle C., João A., João C.L., João M., João Paulo M., Júlia (Gayatri), Juliana, Jussara M., Karen P., Kendo San, Kika L., Lego L., Lígia M., Liu, Lourdina J.R., Lucas B., Lucas S., Lucas S., Luise W., Chalita, Marcelo J., Margot D., Maria Christina T., Maria Helena, Maria V., Mariana A., Marina P.F., Mário C., Marly W., Mauricio P. , Mauro T., Miguel B., Mirella S., Mylene B.B., Nalu L., Nelson O., Neto L., Nilva R., Nina N., Deva Nishok, C. Patrícia B., Patrícia S.M., Patrícia C, Paula M.D., Paulo P.F., Paulo T.B., Quincas, Rafael K., Renato D.S., Roberta C., Rodrigo C., Rosa S., Samuel O., Sandrinha, Sérgio S., Shingo N., Simone S., Soleine K.O., Sophia, Surya Sangeeta, Takae M., Tatiana P., Thais de C., Tião Mineiro, Ulysses B.P., Villa Mandaçaia, Vitória L., Vivi D., Viviane P.S.A. ,Will, Yuka O., a todas(os) as(os) colegas, amigas e amigos da Comuna Metamorfose, do Salão do Movimento e dos diferentes grupos de prática de taijiwuxigong.


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