Antropocênica

Tomando emprestado do léxico da medicina, tornado popular pela catástrofe sanitária e civilizacional, utilizamos o termo “variante”, e sua respectiva sistematização alfabética em grego, para designar a segunda versão desta mostra de vídeos. Com ela, referimo-nos à reiteração de algo que, como um vírus, se transforma, adapta e responde ao ambiente. Um outro, sem deixar de ser o que foi, um mesmo, continuamente tornando-se algo distinto. Uma alegoria pertinente e atual sobre a indissociabilidade de cada ser vivente no planeta.

Assim é Antropocênica. Primeiramente desenvolvida para o MAC-Niterói, como parte do Projeto MIRANTE de abril a maio de 2022, agora se expande e adapta à sua nova forma com a adição de duas novas obras. A partir de viagens, encontros e afetos com outros artistas, criamos este rizoma imagético, que é tanto sobre a derrocada, quanto sobre a cura de nosso chão.

Vanda Madureira, em seu Vulvocalamus Bambusoides, também recorre à nomenclatura científica para esgarçar a relação entre seu corpo e a catalografia colonial do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. A artista propõe uma experiência sensual e sinestésica com as plantas ao preencher, com uma massa vegetal, aquilo que ela chama de “vulvas” das árvores.

Em Deslocando Territorios: Projeto para a Fronteira Brasil Uruguay, Marcelo Moscheta empreende um metódico processo de coleta e descrição de pedras na paisagem fronteiriça entre os dois países. São carregadas, mensuradas, observadas e desenhadas. Uma investigação cartesiana tornada subjetividade pelos atravessamentos somáticos impostos por ele. Quando desenho, a pedra já é indissociável da relação que estabeleceu com seu coletor e desenhista.

O corpo que altera o mundo, é transformado por ele no processo. Estas propostas artísticas nos advertem que não somos meros habitantes de um palco inerte, um violento reducionismo ontológico do Ayê. Mas partes imbricadas no tecido biológico de um planeta vivo. Uma membrana porosa de existências mútuas.

Felippe Morais.