Evento Celestial

Alguns assuntos estão sempre subjacentes na produção de Felippe Moraes, como perguntas para as quais as respostas são menos importantes que a busca por elas. "Evento Celestial" é um conjunto que orbita em torno de conceitos que parecem definitivos, mas deixa escapar nesgas de indeterminação nas brechas que insistem em tentar confirmar a regra. A ciência, com suas fórmulas sacralizadas, é apresentada pela figura da drag queen, uma personagem que desafia certezas sobre gênero, padrões e papeis - é, a um só tempo, homem, mulher, verdade, ficção e subversão. O universo é traduzido para a linguagem não-verbal (e, portanto, mais abrangente) da música, executada por intérpretes que encarnam corpos celestes. Nuvens não se deixam ver diretamente, mas por seu reflexo. O brilho do sol é capturado por uma lente que o faz dançar e criar formas que fogem da esfericidade com que geralmente o percebemos. Câmera parada, fundo neutro, economia cromática funcionam como imã de atenção focada. Cada trabalho puxa o espectador para dentro da "janela" enquadrada numa comunicação íntima entre quem observa e o que é observado. Dentro do retângulo as fronteiras entre ciência, arte e metafísica são borradas e tudo transborda até atingir quem está diante da tela. A vibração da música (ou da voz, no caso de Alaska Thunderfuck) reverbera na caixa torácica do observador, enquanto efeitos de luz o levam a um estado de consciência que oscila entre o meditativo e o psicodélico. Os corpos não individualizados da tela olham de volta para o corpo que os olha numa conversa em que palavras são dispensáveis. Não são apenas os olhos que assistem aos vídeos, mas o corpo todo, que é percorrido por diferentes sensações, algumas mais agradáveis que outras. A experiência é intensa, na melhor acepção do termo - carregada de pulsão vital.

Sylvia Werneck Julho de 2022